Para quem olha de fora, toda a polêmica em tornos das artes geradas por IA talvez soe como uma resistência ao novo. Alguém pode até argumentar: é só o artista começar a usar o Dall-E ou o Stable Diffusion para acompanhar as tendências. Mas o buraco é mais embaixo. A maior parte das implementações desses sistemas é baseada em prompts de comando. Basta ao usuário digitar uma frase ou um conjunto de palavras para a IA gerar imagens que correspondam ao texto. Olha o que aconteceu quando eu digitei, no Dall-E 2, a frase “a duck using a MacBook” (“um pato usando um MacBook”): É divertido. Dá para passar horas nisso. E, refinando as frases, pode-se criar imagens impressionantes. Isso é possível porque esses sistemas foram (e são) treinados com milhões de imagens criadas previamente por humanos. Mas, e se a IA for ajustada para incorporar as características do trabalho de um artista em específico?

O caso do ilustrador Kim Jung Gi

O site Rest of World relata o caso do ilustrador sul-coreano Kim Jung Gi, falecido em 3 de outubro, aos 47 anos. Por ter um estilo único de criar artes para manhwa (histórias em quadrinhos da Coreia do Sul), o artista era bastante admirado. Alguns dias após o falecimento de Jung Gi, um ex-desenvolvedor de jogos francês, que se identifica como 5you, treinou um sistema de IA com as artes do ilustrador. É uma homenagem, diz ele. O modelo resultante foi compartilhado no Twitter para que qualquer pessoa pudesse criar obras no estilo de Jung Gi usando apenas um prompt de comando. Quem testou o sistema notou que as artes geradas pela IA eram assustadoramente semelhantes ao trabalho de Jung Gi. Era como se toda a criatividade do artista tivesse sido assimilada pelo algoritmo. As reações contrárias à ação de 5you não demoraram a aparecer. Uma reação que viralizou é o tweet do também artista Dave Scheidt: Ao Rest of World, 5you disse que recebeu até ameaças de morte após divulgar o modelo de IA. “Eu acho que eles temem estarem treinando para algo que eles não poderão viver porque serão substituídos pela IA”, completou.

Preocupação legítima ou exagero?

Algumas plataformas online para hospedagem de imagens artísticas, como Inkblot Art e Fur Affinity, estão restringindo o alcance de obras geradas por IA. Essa é uma forma de evitar que essas imagens, que podem ser geradas rapidamente, ofusquem o trabalho de artistas humanos. Há quem considere todo esse movimento um exagero, afinal, a IA gera imagens seguindo a estética que aprendeu, mas não cria os próprios conceitos. Vide o caso de Kim Jung Gi. Mas artistas têm, sim, razões para se preocupar. O Kotaku conversou com alguns deles. RJ Palmer, que já trabalhou para a Ubisoft e no filme Pokémon: Detetive Pikachu, não vê a inteligência artificial substituindo artistas bem estabelecidos, mas com potencial de prejudicar aqueles que estão no início da carreira. “Eu conseguiria imaginar facilmente um cenário em que, usando IA, um único artista ou diretor de arte poderia substituir cinco ou dez artistas iniciantes”, completou Palmer. Sistemas de IA são rápidos. Os resultados podem não ser tão condizentes com a demanda quanto o trabalho feito por um humano, mas alguém pode simplesmente ser contratado para realizar ajustes ou dar toques finais. É isso o que Palmer quer dizer. Também ao Kotaku, a artista Karla Ortiz, que já trabalhou para a Ubisoft, a Marvel e a HBO, alerta que algumas empresas podem simplesmente não valorizar o cuidado que um ilustrador ou desenhista teria com a obra: Alguns artistas estão tendo que lidar com consequências indiretas. O Rest of World menciona o caso de uma artista japonesa que postou a captura de tela de um software de ilustração para provar que não estava usando inteligência artificial para gerar a sua arte.

Existe solução para o impasse?

Em conversa com o Tecnoblog para o Tecnocast 256, o pesquisador Sergio Venancio declarou que a saída pode estar na apropriação dos sistemas de IA pelos próprios artistas. Ou seja, fazer desse tipo de tecnologia uma ferramenta de trabalho. Talvez esse seja realmente o caminho, mas não é fácil andar por ele. Haruka Fukui, artista japonesa especializada em animes e mangás, acredita que a IA deve transformar o setor, por isso, ela já considerou usar esse tipo de tecnologia em seu trabalho. Para tanto, ela entende que é importante que o artista ainda possa se expressar e, claro, ser remunerado. Mas será que Kim Jung Gi teria aprovado a assimilação do seu estilo por um sistema de IA? “Você não pode expressar as suas intenções após a morte”, admite Fukui ao Rest of World. E olha que nem falamos de possíveis implicações legais. Definitivamente, esta é uma novela que ainda renderá muitos capítulos.

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